Tinha tudo pra dar errado – quase dava – e se eu não soubesse como terminou teria passado alguns dos momentos mais angustiantes de minha vida no cinema. A história dos 33 mineiros que em 2010 foram soterrados enquanto trabalhavam na Mina San José, no Chile, e ficaram presos a 700 metros abaixo da superfície por nada menos que 68 dias finalmente virou filme. Mas aquelas afirmações também servem, em parte, para a obra cinematográfica. Tudo foi televisionado quase que na íntegra e sabemos como termina, e isso é o trunfo e ao mesmo tempo a desgraça de Os 33, drama dirigido por Patricia Riggen e que está atualmente em cartaz no Brasil.
Trunfo porque a história é extraordinária por si, difícil de acreditar. Como disse um amigo, quando aconteceu já cheirava a roteiro de cinema. Se o encadeamento de fatos que levou ao sucesso do resgate não chegasse à tela grande seria decepção continental – e nisso incluo chilenos e latino americanos porque estamos todos acostumados a nos ver referidos na imprensa internacional apenas em tragédias e corrupção, e não em histórias de sucesso do engenho humano, como essa. A produção é didática e explica coisas pouco claras só pelos relatos jornalísticos. Eu não compreendia, por exemplo, como eles tiveram acesso a comida, cuidados médicos e até brindes enquanto estiveram soterrados.
Mas a desgraça aparece logo no começo, ao nos darmos conta de que o filme é todo falado em inglês. Com um elenco de bons atores latinos e espanhóis – incluindo o mineiro líder, interpretado por Antonio Banderas, e o chefe, na pele de Lou Diamond Phillips (La Bamba), além do galã espanhol Mario Casas – dá agonia ver gente boa interpretando num idioma que não é o seu. E mais, que não é o do país que realizou o feito de resgatar toda aquela gente. Espalhou-se uma anedota de que a diretora testou o elenco falando em inglês e em espanhol com sotaque chileno, e que a segunda opção teria sido muito mais difícil.
O filme também carrega muito nas tintas da emoção. Não bastasse o quão impactante foram os acontecimentos em si, precisava colocar violinos de fundo em quase todas as cenas e incluir tantos dramas familiares na narrativa? Isso se nota também no trabalho dos atores. Juliette Binoche, por exemplo, tem uma atuação digna do francês água com açúcar Chocolate. Aliás, conta-se que Juliette Binoche entrou no elenco porque Jennifer Lopez não pôde. Mas insisto: a produção poderia ser mais latina; até Sonia Braga estaria bem melhor no papel que ficou com a francesa.
Falando em Sonia Braga, um dos destaques do filme para o público brasileiro é o personagem do Ministro de Minas chileno, defendido com competência por Rodrigo Santoro. Apesar de ele ter feito papeis melhores nos últimos anos, como em Heleno ou Não por Acaso, dá uma satisfação enorme ver um ótimo ator brasileiro em papel de destaque num filme que conta essa história de nossos vizinhos.
E aí fecho o círculo que comecei no primeiro parágrafo, falando de trunfo e desgraça. A história é vizinha, de patriotismo, um registro do orgulho chileno por uma realização fantástica. Esses fatos bastariam para fazer uma produção crua, direta, sem tantas firulas. Mas a intenção deve ter sido gerar uma obra internacional, para ser vendida a muitos países e agradar ao mercado norte americano, que não gosta de legendas; por isso, poderia dar errado. Mas vai acabar dando certo. Se pelo menos o mundo tomar conhecimento de que 33 homens ficaram presos no coração de uma montanha no deserto do Atacama, e contrariando todas as expectativas, foram resgatados com vida por uma equipe que não deixou de acreditar que isso seria possível.
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